Duas Coisas Muito Importantes

Na era da imagem. Sem imagens. Só palavras de duplo sentido. Que desenham qualquer coisa...

Name:
Location: Lisboa, Olissipo, Portugal

Friday, October 31, 2008

Arre Carminho…

…a malta já te conhecia de nome. A malta fala de coisas novas. Frescas. A malta julga-se da música e que gosta de investigar o que mexe por aí. Perdemos tempo com rock de sarjeta e passamos uma noite etílica ao som de umas bombadas mais estúpidas que felizes. Ou estupidamente felizes, que seja.

Mas arre Carminho. Que esta coisa do fado nem tem muito por onde evitar. A malta é lisboeta e desde miúdos que andámos com os discos do Charmoso em altos berros ao domingo de manhã lá no rés-do-chão do Armando. Ele era agarrado (ainda é, em abono da verdade). Era dado a “ela” mas tinha bom gosto. «Os Putos» e a «Canoa». Aquilo a rasgar por entre o vão de escada a descoberto e batia-me cá em cima no 2ºC como um trovão em strobes por cima do alto-mar. Grande Armando

Mas ó Carminho, arre! Não é bem por um gajo ter nascido na parideira alfacinha que tem que gostar de fado. A malta vai-se a ele e não há cá frum-fruns. E o fado, como o Charmoso o canta, não se quer muito saudoso. Ou seja, não se quer com muitos botões de camisa por arrancar, tal é a saudade a rasgar para dentro do peito. A malta quer é tomates. Música com tomates. Dores de corno assumidas. Fatalidades exorcizadas. Rasganço. Basicamente, rasganço.

Arre, ó Carminho! Esse teu sangue-azul encosta o avermelhado que há na malta. Essa tua voz aristocrata entranha-se na espinal medula do povo cá com uma pintarola. A malta do rés-do-chão ainda não te conhece, mas assim que um disco teu andar por aí, aposto que o bigode do Armando até se repela só de o ouvir. E olha que o Armando é macho à moderna.

Ó Carminho, arre! Que esse trovão, bem cantado, essas sílabas bem separadas, essas histórias perceptíveis logo na primeira volta da música, ó Carminho, olha que isso não é natural para os teus 23 anos. Isso vem do teu útero. Vem de mulher. Vem de outra sensibilidade. Vem de outro interior. Vem de outras lógicas. Vem de onde o Armando nem sonha, mas pode vir a sonhar. Dá-nos lá um disco que qualquer dia não cabemos todos dentro da casa-de-fados para te ouvir cantar…

http://www.myspace.com/fadocarminho

Friday, October 24, 2008

Um pilantra prá machucar os corações…

… é a vida e obra de Wilson Simonal. Um preto a caminhar para o meio feio e meio quase bonito. Charmoso debochado. Detentor de uma voz assombrosa. Burro por opção. Desligado socialmente por coolness. E tudo o que quer chegar a cool sem o ser....

«Simonal: Ninguém sabe o duro que dei» constitui um retrato largo sobre o primeiro enterteiner do imenso Brasil. Um personagem popular que intercalava cantoria, apresentação em TV, polémica barata, ostentação pública e algumas mulheres à mistura. Tudo isto em alta, quando podia desfrutar da sua voz em praça pública. Misturava o seu registo «pilantra» para machucar uns corações com uma apresentação irrepreensível de "The shadow of your smile", dividindo o palco com a soberba Sarah Vaughan.

O documentário feito em sua honra, muito bem estruturado, com fio condutor, numa linha documental que o Brasil nos habituou (o doc sobre Vinicius é de outro campeonato), tem por objectivo esclarecer a história estranha de uma queda meteórica de tamanha figura pública. Num dia comandava a TV Record, no dia seguinte estava envolvido em «chibarias» para a PIDE brasileira da altura (DOPS). Qual a verdade?

O contexto social do Brasil era perigoso para os que não pensavam. Como todos os países com sintomas de “tontaria” generalizada (a malta com pouco dinheiro, emprego escasso, ditadura vai, revolução vem), o Brasil vivia repreendido dentro de portas. Os Tropicalistas eram presos por contestar com o seu cabelo comprido. A bossa-nova já não importava garrafas de whiskey. Fazia melhor. Foi viver para onde ele era feito (Europa e EUA). Os poetas eram calados ou deportados. Pensadores estavam gastos. E variedade política era coisa que não tinha muita saída.

O conceito “engajamento” tinha, então, muito poder. Ou se era de um lado ou se era do outro. Não dava para malta que caminha em cima do muro. Que se faz passar por desligado numa tentativa de preguiça intelectual. Simona era isso. Um tipo a assobiar para o ar, a viver dos rendimentos. Gozando com tudo e todos. O Maracanãzinho tinha cantado com mais de 30 mil gargantas. E o que aquele preto gingão queria era dar baile a tudo e todos. Brincava ao black power de algibeira mas queria era saber de quanto é que lhe tocava no final de cada espectáculo. O normal, dirão uns tantos. Mas talvez de pouca visão ao fundo do túnel, dirão....eu.

O desfile de alguns protagonistas deste documentário também não é esclarecedor. O falecido Chico Anisio é do sim. Bem como Toni Tornado. Ambos a favor dessa…ingenuidade. Nelson Motta, pouco dado a “bobeira” do povo, não gostou muito. Bem como toda a malta do Pasquim. O lado menos a favor desse…”desligamento”…era uma coisa que traduzida para português de Alfama daria «chico-esperto».

A malta gosta de gente…”desligada”. De gente que não se leva a sério. Mas não gosta muito é de burrice e oportunismo barato. E tudo bem quando um tipo é meio cabeça no ar e tal, e um gajo muita maluco e coiso, mas não sejas tão espertinho na hora do “stand up and fight”. O que nos resta de Wilson Simonal, além de uma grande voz e toda aquela “pilantragem”, são dois filhos muito talentosos. Simoninha e Max de Castro. Destaque para este último. Pertinente, rasga com o passado…e o que malta gosta é de gajos que rasgam

Thursday, October 23, 2008

Marocas, atão o teu primo austríaco…

….coiso?!?!?!?....então mas….mas….os machos, os puros, os de raça inatingível, defensores dos valores mais distintos, os votantes do “não”, os crentes em santos, os nunca pecadores, os chaimites das ruas contra os coloridos desta vida airada, e logo vocês vão ter uma dupla de líderes austríacos que….mas…que…”encaixam”?!?!?

Então mas não era suposto a homossexualidade ser uma coisa repugnante, anti-natura, contraproducente perante a lógica da procriação da raça (brancas, esbranquiçadas, pálidas, incolores)? Aquilo de andar na rua a proclamar o “orgulho gay” não era um desperdício de tempo, e que o poder municipal conseguia encontrar fundos de apoio a festivais queers e outros, em detrimento da casa-museu para o outro que caiu da cadeira??!?

Marocas, o lider Mário Machado, o macho mais macho da nossa estimada extrema-direita portuguesa, o que terás tu a dizer perante a notícia de que o teu congénere austríaco, Joerg Haider (recentemente falecido), tinha um amante logo no seu braço direito?!? E não era a mão direita, era mesmo um corpo inteiro que respondia em biquinhos de pé cada vez que o teu querido Joerg lhe ligava e pergunta: «Stefan, és tu?»…uuuuuuuuiiiiiiiiii….Ou será este o Stefan do Little Britain?

O novo líder da extrema-direita austríaca, Stefan Petzner, afirmou recentemente que mantinha uma relação (ou mais por dia, dependia da disponibilidade) com o boss dos puros, Joerg Haider. O «Joerguezão» para o Stefan. Diz o novato que o falecido era «o homem da sua vida». O deboche da malta era tanto que a própria mulher do mártir dos puros sabia da relação da dupla política. Se calhar também estaria presente no bar gay onde esteve Haider antes de se esfatachar todo num acidente de automóvel.

Marocas! É só golpes no teu orgulho de Viriato. No teu purismo quinhentista. No teu terceiro império. Se havia rumores do Hitler nas palhas deitado quando estava numa de militar, o olhar pedófilo do Salazar para as 13 criancinhas que andavam lá por casa, o gay burlesco da figura de Franco, o espadaúdo larilas do Mussolini, agora é o metro-homo do Haider que te troca as voltas.

Marocas! Eu nunca te vi no Trumps. Nem no Príncipe Real. Só te vi ali na Praça da Figueira. Não sei a fazer o quê, mas calculo que seria uma coisa de macho e anti-drogas, e anti-cores escuras, e anti-anti. Marocas! Ó Marocas! Levanta-te….e ri!!!....

O cinema de/e/para o povo…

…é toda a dúvida/mote que insurge após o visionamento «Kuxa Kanema: O Nascimento do Cinema». Mas é igualmente residual o que nos ficou na memória do esmagador «Aquele Querido Mês de Agosto», longa-metragem de Miguel Gomes. É para o povo? É do povo? É para que povo? Quem é o povo que o faz? Mas que povo é este?

Os propósitos de um documentário assume uma elasticidade estética que todo e qualquer assunto, tema, pormenor, data, detalhe e outros tantos, podem ser o arranque definitivo para a genialidade de um documentário.

O levantamento histórico de Margarida Cardoso (coordenadora de Kuxa Kanema) é de uma emergência óbvia e conseguida. Investigação, cuidado, interesse, reprodução fiel sem intervenção intelectual, algum distanciamento político necessário. Tudo num só documentário em que o ponto de partida é 25 de Junho de 1975, dia em que Samora Machel proclamou a independência da República Popular de Moçambique. Segundo momento histórico: inauguração do Instituto Nacional de Cinema. Propósitos? Propaganda política, com a roupagem de entrega do cinema ao povo. Do povo e para o povo. Cópia integral do maniqueismo que vinha do lado leste da Europa. Tudo muito engraçado e lírico, mas ….(ao jeito de Marcelo Rebelo de Sousa) ….«não era propaganda, mas propagandeava» o regime popular que se instalava em Moçambas.

A opção transversal com o filme de Miguel Gomes revela-se precisamente no acto do cinema do povo para o povo. Da propaganda de algo sem erguer nenhum cartaz. A afirmação de um outro Portugal, que Miguel Gomes puxa para a frente da história, quase como uma imposição política ao intelectualismo do cinema marginal sempre em voga (e tão irritante!!!). O que começa por ser um documentário mal conseguido tem o intuito valente e bem conseguido de seduzir para uma ficção estruturada e com objectivos artísticos. Não políticos. Talvez. Talvez…

No interior de Portugal há um outro Portugal. Há um outro povo que não o do DocLisboa, esse que procura o exótico, o excêntrico, mesmo que serôdio, que, por vezes, não se desvia de uma risada perante a ignorância alheia. É muito confortável a risada alheia.

Mas quer o Miguel Gomes, a Margarida Cardoso, a Leni Riefenstahl, e outros tantos dedicados à arte de eternizar coisas, todos eles queriam documentar algo. E ninguém é inocente. Não há esse regresso a essa inocência infantil. O Miguel Gomes até veio do interior, mas o que lhe iria no subtexto de toda aquela crueza da primeira metade do filme? Queria livrar-se de algum passado ou rir-se do mesmo? A Margarida Cardoso tem ar de ratinho de laboratório, mas o que lhe vai na alma da memória que tanto quereria recuperar com este exorcismo de um passado sempre saudoso? Às vezes nem tanto é para o povo…

Wednesday, October 22, 2008

Quando o Roubo chegar…

…avisem a malta. Não custa nada. Ninguém fica zangadinho. Ninguém bate o pezinho no chão com as mãos a empurrar as axilas. Eu não faço beicinho e os meus parceiros do lado também não deveriam de o fazer, creio eu.

O DocLisboa é muito bem-vindo, altamente dinamizador, bem entroncado com o espírito da cidade, cosmopolita a seu tempo, exótico na escolha e critérios, epá, uma maravilha burguesa intelectual. Nunca pseudo, mas sim intelectual.

«Quando o Carnaval Chegar», de Caca Diegues, apresentou-se ao mundo em 1972. O
Cinema Novo era uma estrela estabilizada e as possibilidades de criar outras marginalidades já eram mais que muitas. Miúdos começavam a fazer outras canções que a bossa-nova já não se queria amada pelos universitários. A Chico Buarque (Paulo), Nara Leão (Mimi) e Maria Bethânia (Rosa) juntaram-se actores como Hugo Carvana (Lourival) Antonio Pitanga (Cuíca), e a “sofregante” beleza morena de Ana Maria Magalhães (Virgínia). Nara e Bethânia tinham sido protagonistas de palco no espectáculo «Opinião», no Teatro de Arena, eram estrelas em situações diferentes. Uma (Nara) era tudo o que queria, a outra (Bethânia) era a que queria tudo. E as duas conseguiram os seus intentos. Chico era um emergente compositor. O unânime estava para ser coroado. Nenhum era actor, mas fizeram-se à estrada.

Tudo muito certo, muito interessante do ponto de vista histórico, reconciliador com o passado de um Brasil que sabia fazer troça de si mesmo, sem ser ridículo. Muito bem e tal.

O caso dá-se, porém, quando o DocLisboa anuncia a apresentação do filme-documentário mas falha na comunicação. Sabendo da sede histórica que o filme despoletaria nos cinéfilos, o DocLisboa poderia, das duas três, ou cancelar as apresentações do filme, ou comunicar antecipadamente o péssimo estado que o filme chegava às salas. E não, fazer levantar o querido Sérgio Tréfaut da sua cadeirinha nos imediatos minutos antes e comunicar à população já refastelada nas cadeiras que «ah e tal, foi muito difícil ter uma cópia deste filme, o som é muito ruim. Mas muito muito muito mesmo».

Ali, depois de 3 euros e meio, e encontrar 00h10 no relógio do telemóvel, uma chuva na rua de ensopar a paciência, um frio de encolher ombros, a malta fica-se e tem que apanhar com aquela interminável sequela de onomatopaicas e fon-fon-fons imperceptíveis, que só umas legendas sofríveis foram aliviando. A tudo isto juntava-se uma tela que dançava, dado que o filme foi gravado por cima de outra tela.

Serginho, obrigado pelo teu esforço. Porreiro o trabalho com tudo isto do DocLisboa (hoje e amanhã volto, não há crise). Mas evita o balde de água fria. A malta que se diz intelectual até pensa e não gosta muito que lhe apalpem os bolsos das calças a não ser que seja com intenções declaradamente ordinárias…

Friday, October 17, 2008

Amor é lá no tanque…

…brincou uma das pastoras da Velha Guarda da Portela. Do alto da sua sapiência de rua de um metro e cinquenta e dois, escrita nas linhas direitas das rugas vincadas, aquela senhora estraçalhava os corações mais molengas, enternecidos de ver tantas histórias de amor cantadas em samba.

«O Mistério do Samba» é um documentário assinado por Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda. A coordenação, ideia de tudo aquilo e outros pozinhos de prilim-pim-pim chegaram através das mãos esticadas de Marisa Monte (tipo…«what else?»). E o festival docLisboa trouxe para a malta encalorar-se numa noite de Outubro ali para os lados do cinema São Jorge.

O período pós «Buena Vista Social Club» tem os efeitos nefastos de que todo e qualquer recolha feita junto de músicos e musicas antigas sejam objecto de comparação. A película de Wim Wenders, porém, atinge mais o propósito de um filme. Tem ali uma trama. Uma chegada. Um fim.

O filme carioca é outra coisa. Fixa-se no registo das mãos. Dos rostos. Das danças ténues. As falhas de dentes. Dos olhares fixos. Das linhas de rugas a desenharem autênticas gares de muitas linhas de chegadas e partidas. Faz também a recolha tradicional nestas andaças. Apresenta k7s empoeiradas. Velhas histórias de como tudo começa. De como uma cuica precisa de umas gotas de cerveja para furar o instrumento. E documentário assume, também, o silêncio. O sujo. O copo que é entornado por uma dança mal calculada.

O samba da Velha Guarda da Portela é feito de tudo isso que todos sabemos. Ou julgamos saber. Ou damos como certo. Que o amor já está cantado. Que tudo soa igual a tudo. E no desenrolar de cada tema, lá levamos com mais uma estrofe malvada, que rodopia na nuca durante os segundos suficientes para deixar levar com outra máxima na pinha.

E os sambas dividem-se por três grandes temáticas. Assim por maior e com toda a preguiça de quem observa. Ou estamos no domínio da saudade, facto que muito irrita, chegando a haver momentos em que apetece abater todos os que suspiram pelos “tempos que já foram”, só para acabar com tanto arfar. A conquista é a temática que se segue. Cortejar, espicaçar, avaliar, tudo em prol de um amor eterno enquanto dure. Por último, todos os ingredientes que uma música de dor-de-corno deve ter. Aliás, uma lenga-lenga que leva até a aceitar o regresso do malfeitor da relação a dois, que deixou alguém para trás. Eles que venham, desde que seja com vontade.

Talvez por isso, aquela pastorinha idosa da Velha Guarda da Portela tenha entendido que na sua alegre vida o amor era uma «coisa delas». Dessas que andam aí na rua a disputar homens. Para aquela pastorinha, o amor é lá no tanque a lavar roupa

Tuesday, October 14, 2008

Post sobre mamas…

…ou o que se quiser dizer acerca de mesas de restaurantes. Certo é que o desafio tinha que ser aceite. Numa manhã invocam o gosto pelo presente blog e lançam desafio. «Pá, podias fazer um post sobre mamas». Assim tipo de encomenda.Sei que desafiou com mamas como poderia ter desafiado com carcaças. Mas acatei. E poucas horas depois estamos à mesa de um segredo (escondido) de Lisboa e lembramo-nos: «é isto!!!».

Mamas. Esse substantivo feminino plural. E tem que ser sempre no plural. No singular perde a força da simetria. Perde o girrrrl power. E mamas acaba por ser um assunto redundante entre frequentadores assíduos de decotes alheios. Acaba por ser uma reminiscência dos primeiros dias de vida, de onde se retirava o fruto que nos permitia a sobrevivência. E, no fim de contas, uma finitude. Um lugar onde os simpatizantes desejam voltar.

Muito do que os dedicados à causa pretendem numa manhã de transportes públicos é, precisamente, fazer contas e relatar através de ficheiro Excel, sobre qual o vértice mais endiabrado que pululava para fora do pano a cada tremelique do transporte público. Nada como subir ao Saldanha, sentido Metro-Terra, e decorar as cores e texturas de toda e qualquer pele mais vistosa. O fim-de-tarde pode tornar-se num simpósio brujeço de comentários às tácticas, opções e vitórias em abordagens visuais aos desnudos pescoços femininos.

Naquela mesa de restaurante lembrei-me disso mesmo. Até porque naquelas 10 mesas só constava um decote. Um único, ténue e pálido decote. «É aqui que devemos trazer o nosso decote. A nossa gargantilha», afirmou-se ao baixo ventre. Uma casa de pasto de nome Casa do Concelho de Cinfães. Uma sala lindíssima. Talhada para ser natural. Para misturar etnografia com gravata. Cheiro a choco na brasa com um decote ténue. Uma mousse de chocolate avantajada com uns nerds de computadores da mesa ao lado. É ali que todo o decote deve permanecer. Postado ao nada. Sem que isso o impeça de ser real ou vassalo. Um decote quer-se menos importante que um restaurante. Menos importante que tudo.

Por mero exercício estético encarreguei-me, à posteriori, de um inquérito via MSN. «Sabes onde é que devemos levar uma moça a jantar?». «Qual o melhor restaurante?». «Nouvelle Cuisine ou Bruite Cuisine?». As respostas pendiam para, curiosamente, um lugar com luz. Para iluminar (o decote?). E eu só pensava na Casa de Cinfães onde uma gargantilha reluziria caso ela soubesse, tão somente, escolher a mesa. Bastava isso. Escolher a mesa. Não o decote. Não a gartilha. Por muito ténue e feia que seja, ela (a gargantilha) brilhará caso consiga escolher a mesa. E que tudo naquela gargantilha passe a brilhar. A ser o foco. A ser iluminada.

Às tantas ainda me lembrei disto que enviei por mail a alguém que agradeço sempre. "É na escolha da mesa de um restaurante que se vislumbra a sensualidade de uma mulher. Saber em que lugar do espaço se deve de ocupar num encontro a dois. Saber o que o homem pode ver sentado nesta ou naquela cadeira. Prever a que distância do incómodo de um empregado ou de alguém que se queira sentar na cadeira por detrás da do parceiro. Escolher o tom da roupa para que nada o possa distrair a não ser a figura diante de si. Dominar o homem no seu agora social. Enjaula-lo na sua condição de caçado em vez de predador. Mantê-lo igual entre os iguais. O poder feminino esmera-se nas suas opções e não na sua pele a descoberto..."

Wednesday, October 08, 2008

Os batrákis que sonharam…

…e que tão bem cantei na noite de Atenas. Noite de solidão (ó tragédia) no meio de tanta maralha boémia. Um palco. Uma MTV em lançamento. Umas horas de voo tramadas. Um calor estranho para Outubro. Uma linguagem na rua que nada tem a ver com o latim mediterrânico. Umas esplanadas memoráveis. Uma mesa bem vestida aos olhos da gula.

Estava ali um artista tuguês no palco de uma zona cool da cidade grega e batia-me na nuca a memória de como se sonhou na adolescência. Os calduços espicaçaram a memória de quem brinca às bandas em tenra idade. De quem julga que o uso do inglês aproxima aos ídolos recalcados. «Ah não, esta música não é nada parecida com os Mudhoney…nada disso…Touch in the brick nada tem a ver com Mudhoney», responderia prontamente o envergonhado larápio de melodias fáceis e guitarra ao colo.

Num rewind/fast forward de segundos, ia e vinha aos 17 anos de idade. Quando o inglês escrito na folha de papel era tão miserável quanto as ladainhas vomitadas por qualquer cantor ligeiro. Tony de Matos daria um bigode valente só com uma estrofe…

Naquela altura sonhava-se em português. Falava-se em português. Engatava-se em português. Riamos em português. Escrevíamos em português. Talvez mal, mas escrevíamos. Update não era usado como agora o é pela senhora da limpeza. Reboot não era coisa que se dissesse a uma menina. Rewind era uma palavra que constava nos botões do rádio que lia k7s. Boy não era chamamento para nada a não ser para brincar com o trocadilho com o macho bovino. Enfim, pique-nique ainda era um francesismo e o inglês não estava tão dentro da nossa língua como acontece nos dias de hoje.

Mais de uma década depois, damos por nós numa roda animada a debitar inglesismos. A citar séries inglesas. A brincar com trocadilhos ingleses. A reconhecer cultura em inglês (post, new, trend setter, etc). Hoje metemos 30% de inglesismos numa hora sem dar por ela. Ele está aí.

Ao lado do palco de Atenas pensava nisso. Agora sim, rapaz que assobias no palco, estás confortável neste papel. Não tens ninguém a resmungar contigo a dizer que deverias meter uns adufes nesta ou naquela malha. Ninguém acha que uma voz aguda vinda do Minho daria qualquer toque de diferença a uma canção pop, que mais se assemelha a uma coisa de Toronto do que a Vila Nova de Cerveira. Agora sim, little boy, tens que trabalhar para dar a curva a este monte. Já atingiste o pico. Agora és um “deles”. Dos globalizados. A guerra é outra. Godspeed…

Monday, October 06, 2008

50 anos esticados…

…dão direito a comemorações de todas as formas e feitios. A bossa-nova atinge a marca bonita de meio século. Houve uns que se transferiram para outros apartamentos junto a outros mares. Outros ficaram e suspiram por todas as garotas, amores, sorrisos e flores. Como um congelamento catatónico de cara rasgada de saudade e mão no peito perante a aflição dos novos tempos.

Para um apreciador mid-tempo como este que aqui despeja boçalidades, a bossa representa apenas, e tão só, um dos grandes momentos das músicas do nosso tempo. Atrás, só Bach. Adiante, só o amanhã. Sem qualquer suspiro de saudade, a bossa existe como um momento de procura. De busca. De “digga”. De topar onde é que as mãos de João Gilberto viraram a coisa. Quando é que Villa-Lobos entrou no piano de Jobim. E contar as mulheres de Vinicius para identificar na sua poesia mais uma “safadeza” que se possa citar às 03h00 da manhã numa roda de conversa…

«Canção do Amor Demais» é um título totalmente bossa-nova. Ali já tudo era exagerado. O amor era angustiante. Já era demais. O mar era pacificador. E a poesia corria solta. Elizete Cardoso nem era musa de nada, mas teve a sorte de servir de inspirados deuses musicais. Em 1958, «Chega de Saudade» apresentava uma cantora. Um arranjo e orquestrador sofisticadíssimo (Jobim). Poema do corpo político (Vinicius). E uma viola tocada de forma…bizarra (João Gilberto).

O mesmo registo é procurado todos os dias na net. Em vinil, sempre. Até que agora já circula em CD. Com os estalinhos da agulha a gingar por cima do prato preto. O som está lá todo. E chegamos ao fim do disco com o mesmo sentimento de um arqueólogo que encontra, finalmente, a primeira peça que tanto procurava de um enorme esquema soterrado.

A amabilidade não tem hora, e da mesma forma embaraçosa com que recebi a oferta de «Canção de Amor Demais», desboquei-me e fugi para o presente (será futuro?). Um fast forward de 50 anos e encavalitado na história da música popular brasileira chega-me «Onde Brilham os Olhos Seus», de Fernanda Takai (a menina-voz dos Pato Fu). De Fernanda Takai? Ou de Nara Leão (quem?)? Ou de Nelson Motta (não entendo…)?

O produtor-jornalista-o-maior Nelson Motta conheceu Fernanda Takai. Lembrou-se de Nara Leão. O coração carioquinha de Nelsinho sonhou e concretizou. Revisão actualizada e sofisticada da obra de Nara Leão feita pela qualidade “marginal” de Takai (e John Ulhoa, também dos Pato Fu).

Na viragem para os anos 60, a bossa-nova era um “estado de espírito”, como Ronaldo Bôscoli definiu, e Nara Leão rebentava com diques separadores criando, talvez, um primeiro momento conciliador da MPB, ainda o tropicalismo não tinha saído de Santo Amaro. Foi nessa conjectura que surgiram estas canções com muita idade. De tipos do samba, brotinhos, bogie woogie, tropicalistas, nordestinos, bossa-novistas. Todos juntos naquele indecisão imensa de Nara Leão.

Takai resolveu tudo com ferramentas pop. De agora. Das palminhas às caixinhas de ritmo. Dos sintetizadores aos refrões para cima. Voltou a misturar tudo. Como no momento inaugural da primeira marcha de Carnaval escrita por um combo preto e branco. Já as raças se cruzavam no início do século passado. Já o Brasil era transversal ainda se discutia raças na América do Norte…

Fernanda Takai aproveita toda a mistura e possibilidade e faz um exercício de andragogia. Derrota dogmas. Estabelece novos padrões destabilizando os formatos. Faz uso da sua linguagem contemporânea ao profanar o passado. E faz tudo com uma simplicidade e verdade desarmante. «Vai meu coração ouve a razão usa só sinceridade»…