Duas Coisas Muito Importantes

Na era da imagem. Sem imagens. Só palavras de duplo sentido. Que desenham qualquer coisa...

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Location: Lisboa, Olissipo, Portugal

Thursday, August 13, 2009

Idade da Morte (que atraí?)

É curioso como as enfermeiras começam a ter a nossa idade. Num corredor eterno de um hospital a voz materna recupera-me uma memória que não tenho. Fraldas e penicos na Estefânia. Aposto que naquela altura não olhava para as médicas e enfermeiras como as vejo agora. Vejo-as aqui e conheço-as na praia. Hora e meia antes elas ajudavam a uma transplante de coração. Coisa delicadíssima. Na praia revelam as coxas ternurentas que nos desviam o olhar do horizonte para dar uma fisgada no elástico do fio dental que se passeia a 3 metros de nós.

É curioso como elas têem a minha idade. A idade em que começamos a ver as coisas a morrer. Dantes desapareciam. Caíam na terra. Tapava-se com areia e eu fixava-lhes a cara num sorriso. Agora não. Desaparecem. Morrem. E as enfermeiras (e médicas) andam ali com as madeixas brilhantes a ofuscar a morte. Calças de ganga e crocks verdes (ou azuis, que isto de «meio-daltonismo»…). Elas andam ali com a morte pelas beiradas. A morte sentada na sala de espera. A morte a reclamar no guichet de atendimento. A morte a queixar-se ao segurança sobre um penso que doi. A morte a arrastar-se pelos corredores, a puxar o ferro do soro. Dá vontade de gritar com ela como faria Ivan Ilitch (do amigo Tolstoi). A morte também varre. Começa devagar como se faz ao varrer uma sala de estar. Vai-se aos cantos. Puxa-se o pó. De repente, em forma de acumulado, está lá o pó reunido em monte de lixo. Pronto para ser levado por uma pá. Será isso. Mais do que uma vassoura, a morte será a pá. E as doenças como vassouras. Siga.

A morte não se ri. Nem uma puta é, que as putas sérias (redundância parva, as putas são sempre sérias) enchem-nos de carinho a troco de um luxo, necessidade ou vontade. A morte não. Não é bonita sequer. É feia, dizem. Velhaca e ciumenta. Elas, as enfermeiras e médicas, sabem-no. E só para irritar a morte, voltam a produzir-se esmeradamente para sair do serviço. A ganga das calças sobe até uma mini-saia de pele morena. Curioso, não me lembro destas enfermeiras na Estefânia. Até aos quatro anos era cliente habitual, informa a voz maternal. Diz-se que era asma. Embebedava-me com Zaditen. Hoje embebedo-me com enfermeiras. As mesmas que fazem caretas à morte. As mesmas que sonham com sandálias da Fly e da Aldo, enquanto a morte sonha com os que sonham com ela.

Atraiem-me as enfermeiras. E as médicas, que não sou sectário. Mas mais as enfermeiras. Terá a ver com o estatuto hierárquico. Nunca fui muito dado ao poder. Só não me atrai a morte. Atraí-me esta médica felicitada por uma auxiliar do serviço. «É menino ou menina?». «Menina! Obrigado!» ruborizou a recem-prenha. Longos cabelos pretos e olhos de azeitona. A timidez levou-lhe as mãos aos bolos e a inclinar a cabeça para a frente. Horas depois vejo-a largar o serviço. Vestia-se em tons frescos a entrar nos verdes. Sandálias leves a acastanhar. Sóbria. Como uma mulher fecundada deve ser. Vai ser mãe, porra! E não se nota a morte que lhe ficou agarrada à bata horas atrás. A morte não me dá tesão. O mesmo não posso afirmar das enfermeiras (das médicas, sem etc.). E não, não recalco nenhum fetiche com batas e estetoscópios. Apenas e só o desfilar de fecho de turno. Aqueles ares frescos num ambiente tão funesto. Aquelas curvas que ficaram à solta debaixo da bata larga durante um, dois ou três turnos de seguida. Agoram estão presos na roupa justa e insinuante. Entesoa também que por baixo daquele gancho que agarra o cabelo moreno vai a cabeça feliz de quem à coisa de 30 minutos deu baixa de um senhora idosa e agora caminha feliz para o seu carro de 1100 de cilindrada. Feminino. Igualmente feminino. Aquilo tem um segredo. Ninguém convive com a morte nos corredores e meia hora depois deixa a morte na sala de espera. Há ali coisa…E entusiasma…

É curioso como não suporto hospitais e delicio-me com médicas e enfermeiras. As estudantes do corpo. Tão boas estudantes. Na escola eram sempre as da fila da frente. As preferidas das professoras. É igualmente curioso como um dia num hospital não serve para nada. Nem mesmo o fulgor encarnado dos jornais desportivos me levou a pensar noutra coisa que não na morte e enfermeiras (e médicas, sem etc.). Se passasse um dia no talho será que me apaixonava pelo açougueiro?