Duas Coisas Muito Importantes

Na era da imagem. Sem imagens. Só palavras de duplo sentido. Que desenham qualquer coisa...

Name:
Location: Lisboa, Olissipo, Portugal

Thursday, January 24, 2008

Carvalho e quatro homens…

…poderia ser o resultado do jogo Povoense-Oeiras do último domingo, não interessa a data. A coisa dá-se ao domingo e convém levar as últimas análises (check up clínico) para poder entrar nos campos de futebol das divisões distritais.

O colesterol não deve de estar nos valores normais. Tal facto pode traduzir uma fuga aos prazeres da vida. Revela que as patuscadas com amigos e/ou interessados têm sido evitadas. As molhangas devem ser ensopadas no pão que restou do jogo da semana passada.

A diabetes é como um crachá. Tem que ser orgulhosamente exibido ao cortador de bilhetes da entrada do campo. Álcool e podres vícios devem constar na ficha clínica de todo e qualquer potencial visitante aos espectáculos de domingo. E só então, só com estas entre muitas outras condições, é que o dono do bar instalado na berma do campo de futebol dá o sim para que o visitante possa comungar de tão prazerosa matiné.

Ora, no caso, um Povoense-Oeiras. Ali tudo faz sentido menos o futebol praticado em campo pelas duas sofridas equipas. Um espaço sintético como que pintado para induzir que ali, além de se dormir bem ao sol ou poder-se servir um pick-nick para a família, também se pode praticar futebol.

A coisa já não começa bem quando se procura um simples cafezinho para dar início ao espectáculo, enquanto espectador. Indecisão dos inquiridos («Quefé?...isso num sei»), incompreensão de quem está detrás do balcão e não percebe o movimento dos lábios. «Café», quando não dito com voz grossa e colocada, pode soar a espirro feminino. O bigode do homem do balcão não descola dos próprios ouvidos e só a separação silábica de «SAR-VE-JA» é que vai ao encontro do esperado pelo afável mastodonte atrás do balcão. Bom, à enésima tentativa, lá se bebeu café…

Depois, já com as equipas em campo ou lá o que é aquilo, a coisa funciona na perfeição. Vernáculos vociferados ao ritmo da respiração humana, cuspidelas arrancadas do profundo esófago, gargalhadas até à morte por asfixia, tudo na bermazinha do campo. Ali logo onde o cimento começa. Uma ternura.

A sorte milionária é quando um dos artistas, um dos enterteiners extra-futebol, coloca-se mesmo ao nosso lado. O momento ganha intimidade e tudo pode ser observado ao milímetro. O bigode, o decibel vocal, a cultura táctica. Ele não se chamava Carvalho, mas repetia o vernáculo com sonoridade semelhante como uma rajada de arma de alto calibre.

«Carvalho pá, é falta o Carvalho, filhe-duma-ganda-gruta…o que foi Carvalho? É falta adonde Carvalho? Ó Carvalho…vai mazé pó Carvalho ó boi preto do Carvalho», e por aí adiante numa afirmação do verdadeiro macho lusitano. Um raça pura.

Nisto, nos entretantos do silêncio do bigode quase rouco, ouve-se um guarda-redes inseguro: «quero quatro homens»…(seria para formar a barreira?)…

Wednesday, January 16, 2008

O amor violento ao Rio…

…é uma experiência violenta. Violência redundante. Violência em todos os poros da Cidade Maravilhosa. Violência presente a partir do momento em que se sente a violenta humidade de 85% e 39 graus. A violenta forma de conduzir, sempre no limite. O som sempre intenso. Violento até na hora de festejar uma mera passagem de ano. Violento até na hora do silêncio macabro de uma cidade sempre viva.

O Rio é violento nas cores. Nos morros. No azul térreo e aéreo. É veemente quando troveja. É violento quando enamora prédios de 15 andares com montes violentamente cortados pela natureza, num espectáculo entre o acidental e humano.

O Rio vive violentamente na praia. Os corpos são violentos. Pinturas de corpo violentas. O futebol é violentamente degustado a todo e qualquer instante. A violência de uma beleza trabalhada em ginásio ladeada pela violência dos corpos escolhidos pela natureza para revelar ao mundo o quão belo é o físico. O Rio chega a ser uma experiência tão física que dizima o interior.

O Rio não vive para o interior. É violentamente exteriorizado. É violentamente festivo. Colorido. Díspar. Diverso. O Rio é rico. Violentamente rico em pobreza e friamente farto em riqueza. Violentamente próximo da Arca de Noé entre pobres, ricos, corpos perfeitos, imperfeições físicas assumidas, morros, cimento, água de coco, açaí, chopp, esgotos, favelas e condomínios fechados. No Rio, uns dormem com a almofada em forma de paralelo da calçada e outros blindam carros. Todos o assumem violentamente orgulhosos.

O Rio é violento quando se torna amável. Violentamente afável quando recebe dentro de casa o que é estranho. No fundo, nada se estranha no Rio. A violência assim o permite. É proibido proibir. O Rio desmultiplica-se facilmente tornando a soma uma violenta conjugação de tudo o que a hipoderme, o encéfalo e o terceiro olho nunca sonharam congregar.

O talento artístico do Rio é proporcionalmente violento quanto o perigo do esbatimento desse mesmo talento através de catástrofes humanas. Os violentos acidentes entre progressistas e pivetes. Entre o roubo fácil e intelectualidade corrupta. Entre o ensino da pesca e a oferta do peixe. Entre o aaargh e uuuiiii.

No Rio, o silêncio entre visitantes pode ser o caminho vertiginoso para a violência da descoberta. Das respirações cariocas. Dos botecos violentamente saborosos. Da gíria debitada de forma violenta, num misto de afirmação complexa e complexada. No Rio, a violência é palpável mesmo quando não se chega a ser publicamente violentado. Mesmo quando o assalto é exclusivo da mente e não dos bolsos. O substantivo feminino violência passa a ser forma de vida. Forma de estar. Defeito e feitio.

O Rio não é para amantes. É para amar. No Rio não somos nada e somos um pouco de tudo. O Rio traduz-se em amor. Amor ao limite. O limite violento. A violência do amor