Duas Coisas Muito Importantes

Na era da imagem. Sem imagens. Só palavras de duplo sentido. Que desenham qualquer coisa...

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Location: Lisboa, Olissipo, Portugal

Wednesday, December 13, 2006

A minha Angola…

…é um significante. É uma palavra que significa um País, que por sua vez estende a relação do senso comum histórico com Portugal. Desse imenso território muito ouvi falar. Retive muitas imagens através de vários suportes físicos (fotografia e TV à cabeça). Para quem nunca lá esteve, como o escriba destas confessas linhas, Angola reúne todos os misticismos históricos e espirituais aos quais qualquer português atento deve reagir (digo eu…).

Não me passei pela baía de Luanda. Nunca vi os meninos do Huambo. Nunca fui a um musseque. Não conheço a cotação do petróleo angolano, muito menos vi uma vez que fosse diamantes angolanos. Como qualquer português nascido na segunda metade do século XX tive familiares em Angola. Aliás, vou mais longe, e confesso que até tenho amigos próximos com forte ligação a N`Gola, palavra retirada do dialecto bantu, que mais tarde os colonos portugueses haveriam de a enquadrar na gramática do português. E com esta introdução de dois parágrafos queria apenas tentar distanciar-me de razões emotivas que, o meu caríssimo leitor, poderia imputar-me. Estamos portanto no plano dos factos e não dos afectos.

«Angola – As 100 Grandes Músicas dos Anos 60 e 70» é a razão máxima para esta prosa. Um documento inexcedível. Ultrapassa todas as procuras e pesquisas feitas em torno da memória musical de um País, que muito só recentemente se tenta endireitar. Uma autêntica caça à história quase a definhar. A perpetuação cultural está ao nível de trabalhos como o Buena Vista Social Club, as pesquisas de Michael Giacometti ou o legado de Lopes-Graça.

Mas que raio tem esse disco? Não é um disco. São quatro. Com 100 músicas. Um portento absurdo. Nele descobrimos muito do que os escravos foram fazer por territórios como as Américas. Nele encontramos o início da Cuba musical. O calypso. O mento. A salsa. A Jamaica de fugida. A hipnose das Antilhas. A proliferação do voodoo do afro-beat de Fela Kuti. A bossa-nova de João Gilberto. O samba popularizado por Noel Rosa. As modinhas e o lundu. A Baía preta de Gilberto Gil e Caetano Veloso. Único!

E tem mais. É um objecto que nos obriga à pesquisa. Apresenta pistas como um dicionário para melhor compreendermos que esse « mambo» deriva de um conceito de doutrina. Que «bazar», «cacimba» e «garina» andavam por ali na boca dos músicos e que os navios das colónias faziam o favor de completar a diáspora.

Com «Angola – As 100 Grandes Músicas dos Anos 60 e 70» entendemos melhor o Portugal de hoje. Compreendemos uma outra Lisboa. Os novos alfacinhas. A capacidade de ser cosmopolita. De receber sem perguntar porque chegou.

«Angola – As 100 Grandes Músicas dos Anos 60 e 70» não é feita para angolanos. É uma edição feita para o mundo. Para ser tomada como exemplo por outros países. Para não deixar morrer identidades. A inteligência deve ser superior à história. Esta é a minha Angola. A dos sonhos. A (ainda) não concretizada. Estou apaixonado por «isto». Isso sente-se, certo?

P.S.: Antes mesmo de iniciar a escrita deste post, assisti à melhor entrevista feita por Mário Crespo. O interlocutor foi António Almeida Santos. O motivo prendia-se com os dois volumes do livro antigo presidente da Assembleia República, intitulados «Quase Memórias». Não os li, mas piscam o olho à descolonização…

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