Duas Coisas Muito Importantes

Na era da imagem. Sem imagens. Só palavras de duplo sentido. Que desenham qualquer coisa...

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Location: Lisboa, Olissipo, Portugal

Friday, November 21, 2008

Nem novo, nem velho, Califa…

…és o mesmo. Dentro do balcão, és o mesmo. Trancaste as portas para uma modernização tola e uma limpeza de armazém que os ratos já deviam de estar próximos de conquistar. Deixaste todos os velhinhos de Benfica meio atarantados sem saber onde se refastelarem nas manhãs luminosas de Lisboa. Foste mau para a terceira idade mas «tinha que ser», forçaste em nome da modernidade.

Neste período de seca todos tentámos o flirt com pastelarias da zona. O galão escuro foi procurado desde o Fonte Nova às manhãs secas e frias do Meco. Só para o sentir de novo. Nada. Nada se comparava. Que merda andar à procura de um lugar onde já se foi feliz. Já devíamos de saber que é proibido levar essa ideia doravante. O pão de deus misto também não se revelou noutros pires desta vida. Ora mais fermento, ora mais fiambre tipo-costeleta, a mistura do frio misto com o coco do topo não fazia eco em lado nenhum.

Agora voltaste Califa. Com o teu regresso o Ípsilon de sexta-feira volta a fazer sentido. Parece que até está melhor escrito. Pelo menos quando vamos de jornal aberto pela rua fora. Entre uns dinamites de "escremento" de cão espalhados pelo chão e o desviar de uma velhinha imóvel à semanas, lá se levantam os olhos para o primeiro encontro com um mármore estranho na porta. Deslavado e sem mistura digna entre o preto e o branco do mármore. Não é italiano e deve ter vindo numa compra ao desbarato daquela estrada que vai para Pêro Pinheiro.

Abrimos a porta e lá estão eles. Os teus empregados. Excelentes no atendimento. Eficientes. Finíssimos. Rápidos. Cuidadosos. Atrás deles está uma parede preta, entre a moderna cozinha dos apartamentos de Telheiras e uma descombinação absurda com o fresco, quente e única pastelaria que se estende nas vitrines do espaço. O balcão também se veste de preto. Elegante? Nem por isso. Fácil de limpar? Talvez.

Nas paredes ficaram aqueles azulejos antigos. A reportar ao imaginário mouro que te dá nome. Meteu-se um elevador espelhado de hotel proto-chic. Umas divisões para o segundo andar e res-do-chão também utilizam o mesmo vidro. Que combina muito bem com…os azulejos da parede? O balcão preto? Os castanhos perdidos do tecto? As cadeiras rotativas de balcão? Assim para o amarelo torrado, a «imitar pele de avestruz», anota a mãe do lado. Ao colo dela está um bébé que é apresentado ao senhor por detrás do balcão. O homem com um laço a florir do pescoço celebra os três neste encontro de regresso. Mãe, bébé e um pai que logo se congratula por já conseguir sentar-se entre a cadeira e o balcão «ah bom, não tem o mesmo problema de antigamente». Parece que aquele metro e oitenta e alguns não conseguia ficar confortável ao balcão do Califa.

No fundo, o Califa é uma pastelaria de alto gabarito, consome-se no novo tentando modernizar um velho. É como um homem de meia idade que tenta revigorar o seu armário mas ao invés de procurar roupa das montras da Rua Garret, enfia-se na C&A do Vasco da Gama e sente-se satisfeito. Califa, estou nervoso. Admiro a novidade e detesto a expressão «dantes era melhor». Não era. Não foi. Os teus homens e os pequenos almoços de sexta-feira continuam a ser do melhor que tenho nesta vida…

Thursday, November 13, 2008

Em ordinarês nos…

…entendemos. Na literatura brasileira, assumindo a contemporânea, muitas são as referências ao acto sexual. De Ruy de Castro a Nelson Motta. Muitos debochados pelo meio. Uns mais eruditos, outros mais malandros, outros mais sérios e sem a metade da piada. Mas também no cinema. Ao visitar documentários de época, filmes série A ou H, as situações de carne multiplicam-se. Os diálogos encontram sempre a expressão que mais em baixo será referida.

Primeiro, contextualiza-se. Aquela malta usa muito pouca roupa. Não há que os contestar. As temperaturas altas quando multiplicadas pela humidade daquele país…enfim, pouco resta senão tirar a roupa. Não é por vaidade. Assume-se. Os gordos desnudam-se. E brincam com o corpo. Usam sunga e “tiram onda” com os “magrelas” que carregam aquele piano de costeletas na vertical. As gordinhas tornam-se mais roliças e passeiam com muita cagança o peso de um peito farto e diabólico. A literatura, bem como o cinema, música e artes circundantes são o reflexo óbvio de todas essas condições socio-metereologicas.

A libertação surge, evidentemente, através da linguagem. Reflexo máximo de todas as idiossincrasias do país. E no meio de tantas expressões exóticas para nós, como a troca do singular pelo plural e vice-versa, as interjeições sexuais e outras solicitações do género são também fruto de muito boa disposição.

Ora, tanta lenga-lenga, para chegar à expressão «dar para…». Elas, o fruto mais apetecido e todo o poderoso, transformam na expressão «dar para…» o seu voto máximo de potência. Mesmo no acto homossexual, seja homem, mulher ou alforreca, uns dão. Oferecem. Dispõe-se a qualquer coisa oferecendo metade. Ficam à espera da outra metade para iniciar o jogo.

Enquanto em português de Portugal assumimos que elas «levam com …», as brasileiras sabem que o poder está do lado delas. Que elas escolhem a caça. Escolhe o predador faminto. E estimam-no através de dádivas. Mas só quando querem. Elas não têm que «levar com…» nada. Elas «dão». É um acto caridoso. Um pedaço de céu no universo bacoco masculino. No mundo pragmático dos machos tal acto é uma bênção. Receber. Elas provocam assim o amor. Uma gentileza. Muito mais poético. Em vez de «levar com», é muito melhor «dar para». Tem remetente, endereço certo e receptor explícito. Um vaso comunicante por excelência. A poesia máxima. O poder feminino no seu absoluto infinito. Parabéns…

Tuesday, November 11, 2008

Foi na sexta-feira gorda, mas…

…ainda “bate”. Que doença aquela porra dos Fat Freddys Drop. Que vaga marítima! Que dinâmica de banda. Que coisa absurdamente pausada. Que dub sóbrio. Elegante. Muitíssimo elegante. Entre o tecnológico DJing easylistening e um reggae de bandão. O meu estimado hooligan João Gonçalves intitulou e bem: «reggae sofisticado».

«Based on a true Story» foi um disco de Verão. Como todos os discos daquela época são escutados de chinelos num entra-e-sai entre a grelha, que já tem um bom lume, e arca frigorífica ainda demasiado preenchida de garrafas cheias. Como um bom disco de Verão, este também foi distribuído pelos ouvidos dos parceiros com um braço por cima do ombro: «man, tens que ouvir este “mantra”». O jantar avança e o embalo sonoro obriga às restantes cadeiras a reagirem. Os rabos instigados enviam mensagens positivas ao cérebro e da boca salta: «pá, o que é isto mesmo?»

Ora, isto são os Fat Freddys Drop. Que do Verão do Meco até ao gelo de Carcavelos, em Novembro, não arrefeceram. Também não esquentaram. Continuam naquela vaga marítima, que parece uma onda interminável, mas muito muito muito longa, que demora a estender-se na praia. Demora tanto que por vezes nem chega a acontecer. Um jogo de contenção e nervos, que nos enrola em espiral.

Pois bem, os Fat Freddys Drop são bons com carne assada, com vegetais na brasa, com indiano da Praça da Alegria, com homens soberbos ao lado, com lindas meninas em filinhas diabólicas que nos impossibilitam a escolha da rainha da contenda. Estes neozelandeses recomendam-se numa esplanada com o mar aberto ou num pavilhão a tapar a brisa doutro mar. Joe Duckie, conta comigo para um próximo regresso…

Monday, November 10, 2008

Charopada seguinte...

...que data de 25 de Março de 2008. Limpeza de PC de trabalho. «Mas que ficheiro é este?». Abre-se. Ele revela-se. Despe-se e meto-o na vitrine.

O meu prazer é não fugir à verdade
E para o abate da mentira
Ando azedo por erros meus

é tão mais giro tentar não errar do que não perceber o erro
errar, errar tão alto e libertar um berro
erra, cai, levanta, pula, brinca de troca-troca, mas não declares amor sem o ver
Até porque amar demais é nunca sofrer


Escrevi.

Muito fora de Tom…

…aquele filme brasileiro «Os Desafinados». Um autêntico erro de casting, de propósitos, de capacidade de contar uma história, semi-verídica, com algumas convulsões internas, é certo, mas tudo muito roteiro de novela. A bossa-nova comemora meio século então toca de amamentar a coisa com um filmezeco com actores de craveira. Mesmo que o argumento seja tão bom quanto as piores versões de bossa-nova feitas por músicos de bar de esquina (ainda se fossem de casino…).

A história já foi contada inúmeras vezes em livros e documentários. Há (muitos) que a sabem de cor e salteado. O filme de Walter Lima Júnior inicia, não no Beco das Garrafas, mas sim na sessão de recrutamento de músicos para o grande espectáculo no Carnegie Hall, em Nova Iorque, naquele que seria o primeiro momento sério de internacionalização da bossa nova. O Itamaraty também meteu o bedelho e a coisa tornou-se mais institucional. Os Desafinados, a banda, também deslocou-se a Copacabana Palace para ser escutada. Nada disto é verídico, mas é baseado em passagens sérias da história da bossa. E a partir daí a coisa segue…

Mas segue muito torta. As interpretações são um tanto sofríveis. Os planos muito vazios. Muito pouco ritmo. Muito aproveitamento dos standards bossa para cobrir um argumento muito pobre. Rodrigo Santoro metido nesta embrulhada nem consegue explanar a sua boa figura no grande ecrã. É um artista porreiro, mas em «Os Desafinados» não passa de um aflito actor que mais parece ter saído de um Conservatório e muitas experiências de teatro e transporta-los para um cinema que obedece a outros padrões de interpretação. Ele sabe-o bem melhor do que quem escreve esta patacuada. Enganou-se e acaba por brilhar quando o filme cai no “novelismo” que se deveria de evitar a todo o custo. É nesse “novelismo” que Cláudia Abreu brilha. Lindíssima, com um corte de cabelo mais próximo de shaggy de Londres do que de Ipanema, a actriz consegue trazer ao filme um misto de tragédia de algibeira da Globo com um cinema mais profundo.

E como podemos ver estamos aqui a tratar de assunto “novelesco” quando a trama deveria seguir por um excelência de guarda-roupa (um erro!!!), impressionantes desalinhamentos de “rácor” (carros contemporâneos nas ruas??!), lojas com símbolos modernos por todo o lado, simbologia tola e deixada no vazio (o que fazia aquele negão com cara de malvado na hora do desembarque do grupo em Nova Iorque?). Um filme completamente desafinado.

Dentro do Tom, completamente, está «A Casa de Tom», de Ana Jobim. Nesta terceira mostra de cinema brasileiro, no São Jorge, foi mesmo uma estrela. Também evitou o Beco das Garrafas, não seria necessário outra vez…, e mandou-se directamente para um António Carlos Jobim botânico, pai, ecológico, familiar, em pijama no Poço Fundo ou de sobretudo em Nova Iorque. Um Tom Jobim para próximos. Uma alma muito acima das outras. Outras cabeças, outros estares, outras sensações…

Tuesday, November 04, 2008

Exercício de limpeza…

…um mero exercício de limpeza. Nada mais do que isso. Puxo o cabelo para trás. Ajeito a “encharpe”. Estico o casaco novo. Hum hum. Coloco a voz e cá vai:

Escolher é um acto de coragem
Um exercício de preferências
De quem opta pela sua margem
De alguém que demarca a sua referência

Escolher constitui uma manifestação suprema de vontades
Como que uma cerimónia de eleição de um facto
A escolha invoca sempre um acto
De quem traça num momento uma certa eternidade

Escrevi.